Imagem dantesca

Por Fernando R. Mieli

Escancararam a porteira! Do Inferno.
“Nunca vi, li, ouvi tanta besteira junta ao mesmo tempo saindo de todas as jaulas desbocadas”… Ouvi estas palavras de um escritor italiano que vive nas montanhas, nas nuvens… Que sorte poder ver as estrelas de novo, pensei sem polemizar. Aí percebi pouco a pouco que se trata de sobreviver.

Sobreviveremos a que exatamente?

Quem pode sobreviver a tanta besteira nas redes, encharcadas de desinformação de uma realidade que nos envolve e nos condena? Tentarei, como um observador desprovido de paixão, explicar o que percebo ao acordar de manhã: abro meu celular, email, whatsapp, tv, Instagram, face to face, heart to heart – cara a cara e, de coração aberto, compreendo quem é o barqueiro (il traghettatore) a remar e levar para o outro lado do rio, enquanto nós, em apuros, não veremos mais o céu.

Imagem dantesca, da Divina Comedia que me leva imediatamente a Florença depois da peste.  Nós não vimos a peste ou a guerra, mas apodrecemos neste mar de precariedades que nos cerca e logo me sinto como o poeta, o grande rimador, no meio de um bosque-floresta, repleto de almas penadas, monstros selvagens, aves de rapina. Nele, nosso barqueiro luciferino, o desagradável, o nosso Caronte Bolsonaro, filho da noite, na sua profunda dialética dos idiotas – as bolsalidades – faz com que cada cidadão do Estado Brasil transforme suas casas em patíbulos prontos a cumprir suicídios domésticos, solitários da razão. É certo que morrer neste estado será a última coisa que faremos de qualquer jeito mesmo.

Presidente afirma que a escuridão é o silêncio da luz e que o Estado sou eu!  Espera aí Presidente, supostamente “o Estado sou eu” teria sido dito por Luis XIV em 1655 durante uma sessão no Parlamento francês.

Adepto fanático da monarquia, Luis XIV, Rei da França e Navarra, não tinha a menor dúvida que a demonstração do poder absolutista era o melhor sistema para se governar um país. Além do absolutismo monárquico, das construções como Versalhes, da prosperidade, da proliferação das colônias francesas era famoso por ser vaidoso e por proferir a seguinte frase ao morrer: “Eu saio, mas o Estado sempre permanecerá”.

Agora voltamos para a Europa, a França, e na Italia de novo, chegamos em Florença: “depois da peste surge o renascimento” afirma o atual senador e líder do partido ItaliaViva  Matteo Renzi, usando as palavras do historiador Paolo Mieli.

Ele não para por aqui: continua seu pensamento ao afirma, no dia 27/03 ao telejornal Tg2: “Tem tempo para entender os erros e imaginar o futuro da Italia protagonista. Agora é preciso administrar a emergência econômica. Não queremos morrer de Convid, mas poderemos morrer de fome. Temos que abrir antes da Páscoa, são necessários  200 mil milhões já.” Segundo o Prof. Massimo Recalcati: “Plantar a videira do nosso futuro”.

Quem plantará a videira do futuro senão o Estado, entendido como provedor e protetor? Seja o Estado italiano ou a Comunidade Européia através de seu Plano Marshall de estímulos europeus (proposta do Estado alemão e dos Estados do Norte que limita os empréstimos a 540 mil milhões de Fundo salva Estados – Mes, banco comunitário Bei e projeto Sure), que são contestados seja em termos de valor, seja pelas condições como pelos prazos e vencimentos. “Temos que mostrar aos cidadãos europeus que a Europa os protege”.

É indiscutível que o papel do Estado hoje em dia tornou-se mais do que relevante, mas de qual Estado estamos falando:

Estado protetor ? Estado pensador ? Estado opressor ? Estado enganador ? Estado convencido ? Estado inchado ? Estado partido como o coração ?

O que seria de nós sem o Estado? Aonde o Estado se perdeu visto que
O Estado somos nós ? Estado é o coletivo do presente que vai organizar o futuro.
Penso no papel do Estado e me pergunto qual seria o papel real do Estado na administração pública, na educação, na administração penitenciária, sanitária, logístico-tributária?

O Estado pertence a quem o utiliza e não deve ser eliminado portanto. A consciência neoliberal parece totalmente perdida como uma sessão suspensa – e mesmo que os fardados tentem em vão defendê-la, ela não volta. O Estado, esse sim, renasce de cinzas, que nunca se apagaram.

Não importa qual seja o desígnio dos atos do Estado, O empresariado na situação de crise atual se considera desrespeitado por não usar o dinheiro publico só para ele, ter que compartilhar. Vergonha! Estado transparente, carente, coerente?! O que fará o Estado para enfrentar a crise sanitária, econômica e trabalhista? Quem hoje viveria sem o Estado?

Boas Páscoas!  Bons mares!  Bons ventos!  Bons Céus!  Boa vida a todos!