Fernando R. Mieli
Desde minha última viagem à Italia, em fevereiro deste ano, venho imaginando como seria se eu fosse um drone e pudesse sobrevoar os fatos e as metamorfoses que vem acontecendo desde o advento deste vírus Covid-19, ou mesmo antes da pandemia.
O drone alça voo no início de abril em plena páscoa romana e flagra o papa falando sozinho numa praça São Pedro deserta e chuvosa. Percorre os altos e baixos da curva pandêmica através dos isolamentos da grandes capitais, entre aberturas e fechamentos, pontes e feriados. No Brasil, uma data importante em 21 de abril marca o sacrifício de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado e esquartejado em 1792 por lutar pela independência. Dias depois, na Itália, o 25 de abril comemora a libertação. Pela primeira vez na história o “Bella Ciao” foi entoado dos balcões e das sacadas, e não das praças que protagonizaram, na prática, a queda do fascismo.
O drone, ao som do hino da resistência, percebe que fábricas semi-abertas, comércio fechado, shoppings desertos nos aproximam do 1o de maio, dia do trabalhador, protagonista da precarização e da uberização (motoristas de aplicativos, operadores de telemarketing, técnicos da indústria de software, vendedores do comércio digital). Atividades de alta intensidade no trabalho, pouca criatividade, reduzida capacidade de controle e nenhuma estabilidade para o futuro; a necessidade de atingir metas cada vez mais altas, desvalorização do trabalhador e do trabalho, adoecimento e humilhações.
No começo do século XX a economia explicava que quem gerava o emprego era a indústria e o Estado. Indústria entende-se no sentido amplo: empresas familiares, pequena, média e grande indústria e estado que também incluía empresas de economia mista, funcionalismo público. O faz de conta deste discurso baseia-se em acreditar que a produtividade/rentabilidade de cada um seria revertida ao “bem comum” em forma de educação, saúde, transporte, serviços, estruturas e investimentos.
Os conceitos macro econômicos nunca levaram em consideração que as grandes empresas seguem a teoria do “toma lá dá cá” com os governos eleitos e não eleitos! E que os administradores do estado, na maioria das vezes, usam o patrimônio comum como se fosse uma propriedade privada própria.
Este conceito vem se perpetuando – e com relação aos postos de trabalho e geração de emprego, devemos ainda somar ao mesmo a intervenção da tecnologia – hoje batizada com o nome inovação.
A tecnologia tem um papel vital, não só porque me permite fotografar de cima os campos de futebol transformados em hospitais em cidades convalescentes, mas gera uma relação causa/efeito da mudança e/ou perda de trabalho/emprego – seja em momentos de crises espontâneas, exploradas, (nefastas ou não), criadas para transformar os robôs em operários – ou melhor, operadores! Todos somos dependentes da tecnologia e manipulados pela inovação!!
Na Italia, depois de quase dois meses de “lockdown” e de um fim de semana de liberação, o país entrou na fase dois: alguns setores vão reabrir como por exemplo fábricas e obras, os cemitérios e floriculturas no VENETO, a venda para takeaway de restaurantes, bares e sorveterias e aos esportistas, a possibilidade de treinar ao ar livre, com as devidas normas de segurança sanitária.
No que diz respeito aos Bancos Centrais, o encontro mais importante da semana é a reunião do BCE, cujo Conselho anunciará as decisões de política monetária que os mercados esperam com frenesi. Enfim nesta semana teremos resultados de PIB e serão publicados os dados trimestrais que mostrarão “os danos” da pandemia, dos grandes bancos às companhias aéreas passando pelos resultados das “Big tech” como Microsoft, Apple, Amazon, Tweeter. E por fim a taxa de desocupação de março, provavelmente uma estimativa provisória.
Sabe-se que as bolsas internacionais iniciam bem a semana. Investidores refletem sobre o otimismo gerado por novos estímulos econômicos e pelas expectativas de abertura gradual da atividade econômica em alguns países.
No Brasil segundo Painel Econômico Diário do Banco Itaú serão divulgados resultados do primeiro trimestre de empresas como Bradesco, Gol, Santander e Vale. Serão divulgados indicadores como IPCA-15, IGP-M e dados ligados a crédito. A Covid-19 já atingiu aproximadamente 62 mil infectados com 4.200 vítimas. Ainda com preocupações ligadas a demanda – muito reprimida devido a pandemia – e no meio de anúncio de novos ministros e denúncia de ex-ministro,o Petróleo começou a semana com forte queda e o dólar sempre impactado.
É fácil constatar que não encontramos em nenhuma dessas realidades – nem antes e nem durante o vírus – sequer um plano de prospecção, geração ou criação de postos de trabalho. Defrontamo-nos somente com ajudas esporádicas ou emissão de dívidas financeiras a serem pagas pelas gerações futuras. Vivemos uma espécie de grande engano, em uma viagem de auto-defesa, cada um por si: autônomos, oprimidos, espectadores controlados.
Assim como alguns pensadores afirmam que a busca da “liberdade” é algo pré-determinado biologicamente, polemizava comigo mesmo que com o chicote pode-se obrigar qualquer escravo a fazer não importa qual trabalho.
A lente do drone, ao sobrevoar a capital São Paulo na expectativa do primeiro dia de maio, parou para observar um trabalhador na quarentena, um entregador de comida, “delivery”. Pedalando paramentado, ele passeava pelas ruas até em contramão, o drone não captava seu sorriso, não conhece suas angústias, via só a bicicleta, era seu meio de transporte, sua atividade, sua chave-mestra, seu “livre arbítrio”.